Não é a toa que a atriz global, Regina Casé, inicia pela periferia da África Portuguesa uma mega reportagem sobre as periferias do mundo, salientando o seu jeito de dançar, seus gostos, sua moda, seus ritmos e crenças até chegar aos morros brasileiros onde se concentram a esmagadora maioria da pobreza brasileira.
A aparente inocência da tele reportagem global é mais uma das tantas artimanhas da burguesia nacional e internacional para conhecer de dentro o que pensam e como agem, os costumes das pessoas que vivem nas periferias das grandes metrópoles capitalistas.
A cultura é uma das tantas maneiras de expressão social e política de um povo e é a partir disso que a indústria cultural quer ampliar a sua produção capitalista.
Ao mesmo tempo em que aprofunda a sua dominação e exploração implementa a sua visão ideológica através de cooptação da população pobre que até então permanece excluída do processo de consumo capitalista.
Dentre as expressões artísticas a que se tornou um fenômeno de massas é o FUNK que por trazer em suas letras a valorização dos problemas das favelas e denunciar as questões sociais e políticas do Brasil foram caracterizadas pelos seus adversários ideológicos como sendo um ritmo maldito e discriminados.
Por ser um campo de fácil atração as populações que se identificam com essa forma de expressão cultural associada à extrema pobreza e com nenhuma presença estatal nestas periferias foi imediato o controle por parte do crime organizado e a sua consequente exploração comercial dos chamados bailes funks.
Esta criminalização inicial do Funk tem muito haver com todo um processo racial que ainda é mantido pelos herdeiros dos antigos perseguidores dos negros das senzalas, dos batuques e da capoeira a fim de impedir as potencialidades rebeldes e conscientes deste ritmo que vem das favelas.
Como tudo na sociedade contemporânea brasileira, o funk, esta em disputa por no mínimo três grupos: a indústria cultural de mercado monopolizada por poucos empresários que dominam gravadoras, produtoras de DVD’s, programas de TV e rádio na grande mídia. A dominação passa pela imposição da moda, das letras musicais (geralmente são alienantes e com apelos sexuais pornográficos) e da manutenção ideologia vigente.
Estando “tudo dominado”, o poder desses grupos “empresariais” desrespeita as leis de direitos autorais, estabelecem contratos prejudiciais aos artistas que na sua maioria são muito jovens e com pouco ou sem estudo, descartando os artistas que se negam a seguir estas regras.
Com isso esse mercado impõe a lógica da mesmice, do descartável e do pancadão alienado que só traz aspectos pejorativos que em nada contribui para a construção de uma tradição funkeira solidificada com força política e cultural para influenciar na vida das pessoas das periferias.
A criminalização imposta pelo Estado neoliberal/capitalista faz com que o grupo controlado pelo crime organizado permaneça com grande influencia sob a cultura funkeira aja visto que há uma perversa substituição do Estado de Bem Estar pelo Estado Penal onde aos pobres é destinada a força policial ou a cadeia.
Esta pratica nada mais é do que um estratagema das classes dominantes para manter uma mão-de-obra barata e dependente tanto aos “patrões” do crime organizado como aos patrões das grandes empresas “senhores de ilibada conduta”.
Esta promiscua relação entre a elite brasileira e o crime organizado coloca no abandono milhares de brasileiros e brasileiros que se vêem abandonados de seus sonhos de se incorporar a sociedade de consumo aatravés do emprego restando-lhes o lugar de humanidade supérflua, menos humana do que as pessoas, da dita, “boa sociedade”.
Quanto maior a desigualdade social, mais perigo a pobreza representa para a ordem capitalista.
Mas para criminalizar a pobreza é necessário convencer a sociedade como um todo de que o pobre é uma ameaça e como ameaça deve ser contida com instrumentos assassinos como o “caveirão” que espalha corpos pelo chão das favelas e também criminalizar o seu modo de vida, seus valores e sua cultura.
No meio deste processo está o Funk.
Apesar de toda esta disputa há luzes no final deste túnel.
O Funk produz movimentos próprios e autônomos reivindicatórios em busca de leis que assegurem o funk como expressão cultural de caráter popular que impeça a sua criminalização; associações profissionais de MCs e DJs que buscam assegurar os seus direitos como artistas; discussões sobre raízes que torne o funk menos refém do mercado e mais autônomo nos seus circuitos de criação e divulgação musical; organização de rodas de funk que se asemelhança ao samba buscando unir gerações criando espaço de trocas de experiências e de sociabilidade/solidariedade entre os artistas; criação de festivais alternativos nas favelas buscando estimular a criação musical e o fortalecimento do diálogo com outras tradições culturais populares, como o samba e o hip hop.
Essa é uma tarefa para militantes que acreditam na tradição daqueles que foram vencidos no processo histórico, mas que deixaram como herança suas lutas para os oprimidos de hoje.
MSN: itamarssantos13@hotmail.com
Blog: www.itamarsantos.blogspot.com
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